Fábrica de Calcinhas: O Comércio Raiz de Porto Alegre

Conheça a história da Fábrica de Calcinhas, loja clássica de Porto Alegre que há mais de 20 anos é referência em moda íntima e, apesar de não focar no B2C, não tem quem não conheça os icônicos bordões que ressoavam diariamente pelo centro e rádios da cidade nos anos 2000. O Fala Varejo Especial do Dia da Mulher conversou com a Angélica Delgado, a segunda geração do negócio, que cresceu nos fundos da loja fazendo de tudo um pouco e hoje é a CEO da operação.

O início da Fábrica de Calcinhas 

A Fábrica de Calcinhas, uma das marcas mais lembradas pelos gaúchos no seu segmento, começou com um camelo, que saiu do Mato Grosso para abrir loja no coração do centro de Porto Alegre. O seu Nelson, pai da Angélica e fundador da empresa, é daquelas pessoas que nasceram com dom para o comércio. Um vendedor nato, não teve educação formal e muito menos medo de se arriscar em novos mercados e cidades.  

É com esse espírito que a loja abriu no segundo andar de um pequeno prédio comercial da Voluntários da Pátria e aqui a gente já observa uma ótima sacada que foi certamente muito bem planejada. O ponto escolhido é de alto fluxo, ou seja, altos aluguéis, o que poderia inviabilizar ou pelo menos dificultar muito o modelo de negócio baseado em preço. A saída do empresário foi pegar uma sobreloja na rua mais movimentada da capital (se hoje segue assim, imagem na época). 

O desafio então era atrair clientes sem ter uma vitrine que os cative; a loja não era na calçada e as redes sociais praticamente não existiam, muito menos em um nível de negócios. A estratégia usada virou marca registrada da empresa, as divulgadoras da Fábrica de Calcinhas, funcionárias treinadas por ele, para atrair os pedestres para conhecer a loja. Não era uma tarefa fácil, mas o empresário sabia que com bom humor, um discurso persuasivo e uma ótima oferta as pessoas seriam fisgadas. Foi assim, no que hoje seria chamado de marketing de influência, que o negócio foi tomando forma e se consolidando no mercado de roupas íntimas. 

Quem conhecia comprava e o melhor, também indicava, afinal, as ofertas eram mesmo imperdíveis. Comprometidos com preço baixo, desde o início da operação já priorizou investir na fabricação própria, o que garante melhor margem e permite operar num modelo de negócios voltado para o atacado. O empresário foi aprendendo na tentativa e erro, o que muitas vezes resultava em oficiais de justiça e contas batendo na porta, afinal, apesar do talento natural ajudar muito, a faltava domínio e estudo de administração de negócios atrapalhava a saúde da empresa. 

O Exemplo e os Aprendizados 

Angélica, segunda geração da empresa, cresceu dentro do negócio e, como uma clássica adolescente, passou por momentos em que nem queria ouvir falar da empresa. Como ela bem pontuou, muitas vezes as pessoas (especialmente jovens) têm certo preconceito com as vendas, mas a venda está em tudo e quem não domina a arte de vender sai perdendo em todas as esferas, profissionais e pessoais. Sorte a dela ter em casa um exemplo de um baita vendedor. Passada a rebeldia, ela foi se identificando com o comércio e vendo que levava jeito para coisa, mais do que isso, gostava e muito. Aprendeu tudo que podia com seu pai e se orgulha em ver que a genética vendedora está no sangue da família, a sua filha, ainda criança, já demonstra toda desenvoltura. 

Mais do que aprender com os acertos, o que foi fundamental para o sucesso da empresa, foi ela aprender com os erros do pai. A primeira medida foi entrar em administração de empresas na UFRGS e, apesar de ter maior apreço pela área de marketing, foi racional e focou sua área de estudo na parte financeira, o grande Calcanhar de Aquiles do seu Nelson. Não deu outra, logo já começou a entender melhor os motivos que causavam tantos problemas financeiros na empresa (apesar da notória organização e pioneirismo no uso de ferramentas de gestão) e vislumbrar maneiras de contornar os danos. De início, a Angélica enfrentou com o chefe e pai, aquela resistência típica de comerciante, afinal ele “sempre fez assim”, o novo muitas vezes assusta mas atualizar as estratégias e ferramentas é indispensável para quem quer continuar de portas abertas. 

Foi incrível escutar a evolução do negócio a partir da troca de liderança, o preço baixo continuou sendo lema mas também atrelado a qualidade. Com fabricação própria, escuta ativa de feedbacks e pesquisas constantes, os produtos foram aprimorados. Angélica acredita e busca constantemente, em todos seus lançamentos e coleções, entregar o “melhor dos dois mundos” com um produto super acessível que não comprometa o seu desempenho para isso. Essa entrega não é uma tarefa fácil, mas esse é o compromisso da marca, “As pessoas ficam chocadas quando veem a qualidade de um produto que é vendido no centro, na Voluntários. Eu quero causar justamente isso e levar nossos produtos para os bairros”. 

A importância da Tecnologia e Omnicanalidade  

Os ensinamentos do seu Nelson vão muito além do tino para o comércio, apesar de não ter tido ensino formal, ele “sempre foi atentado” e desde o início da operação entendeu a importância da tecnologia para fazer o negócio funcionar. Foi pioneiro, em meados dos anos 2000, abandonou o caderninho e implementou um sistema para o controle de produtos. Fazer a gestão do estoque e ter todos os itens devidamente organizados, com domínio total do que se tem em loja (e no caso dele, também em fábrica) parece óbvio, porém se ainda hoje tem empresas que sofrem com isso, imaginem na época. 

Ainda era auge do comércio de rua e a Fábrica de Calcinhas lançou seu e-commerce, na entrevista, a Angélica comentou da dificuldade que passaram nessa implementação, era um mundo totalmente novo e que poucos profissionais conheciam. Apesar das barreiras e críticas, sabiam que o digital era o futuro e apostaram no momento certo. Foi praticamente o primeiro atacado online do Brasil e com pouquíssimos players na disputa, o sucesso veio quase que de forma espontânea. Por algum tempo surfaram a onda do pioneirismo, praticamente não existia divulgação online, estar presente abastecendo o e-commerce bastava. Com a evolução do cenário digital o jogo mudou e para participar tinha que se investir e estudar as novas regras. Na época, apesar do sucesso que tiveram online, o físico representava a maior parte do faturamento, a decisão foi focar totalmente no PDV. 

Depois de anos seguindo a mesma estratégia “confortável” de sucesso, chegou a pandemia e todas as premissas precisaram ser revistas, literalmente da noite para o dia, Angélica teve que repensar suas abordagens de vendas, comunicação, time, estrutura e todo funcionamento do negócio. Ela investiu em presença nas redes sociais, produção de vídeos, loja virtual e atendimento personalizado via WhatsApp. Essas mudanças não apenas ajudaram a marca a se adaptar “ao novo normal”, mas também trouxeram novos diferenciais além do preço competitivo e da qualidade das peças. A estratégia consolidou a presença da marca no digital e a posicionou como uma empresa de apoio e inspiração para mulheres empreendedoras em todo o país.

A Dinâmica do Sucesso do Negócio 

Desde o início, a gestão da empresa priorizou o desenvolvimento do time, essa sempre foi uma força da Fábrica de Calcinhas, que centralizou sua publicidade principalmente nas divulgadoras. O seu Nelson além de ser o autor dos bordões, pessoalmente treinava e auxiliava cada colaborador, garantindo o espírito da marca em tudo. A estratégia deu certo, tanto a nível de marketing, é esse “manual” que guia a comunicação até hoje, como também é um sucesso de endomarketing. Todos os funcionários têm longos anos de casa, o que é raro para o comércio mas não aqui. A história de maior destaque é da Jô, conhecida e adorada por todos que frequentam o centro, é divulgadora oficial há 17 anos. 

A proprietária percebeu o potencial e não hesitou em transformar a Jô na cara da marca também no online, a estratégia funcionou, além de seguir atraindo pedestres para loja, na internet tem inúmeros vídeos virais dela divulgando os produtos. A filosofia da empresa é além de treinar acompanhar a equipe e perceber as características e talentos de cada um, “quando vamos fazer alguma conferência geral de estoque e a Jô vem ajudar eu dispenso, ela tem que focar o trabalho dela na divulgação, nas coisas que ela é boa mesmo, assim que mais ajuda”. Muito se fala de funcionários serem embaixadores da empresa que trabalham, esse é um case de sucesso dessa estratégia. 

Apesar de atuar das duas formas, foi no atacado que a empresa viu seu crescimento. E, assim como o contexto da loja mudou após a pandemia, toda dinâmica do comércio foi alterada, inclusive dos revendedores que compram no atacado para comercializar no seu canal próprio. Percebendo isso, a Angélica passou a desenvolver uma estratégia para educar seu público alvo, essa educação é ponto central para o sucesso da operação.  Esse trabalho já é feito com muitos conteúdos semanais publicados nas redes sociais da empresa e enviados também pelo WhatsApp, que serve também como uma central de ajuda para as clientes. O plano é investir cada vez mais, desenvolvendo uma plataforma de educação própria.

Amar o que faz: Propósito na Prática 

A Angélica foi praticamente criada dentro da loja mas, aquela virada de chave que a fez perceber que realmente nasceu para o comércio, foi quando percebeu o impacto da empresa da sua família na vida de outras famílias. Como já mencionamos, o modelo de negócio principal da Fábrica de Calcinhas é a revenda, basicamente eles formam empreendedoras, no feminino mesmo, 99% do público são mulheres. 

Angélica compartilhou conosco relatos de clientes, suas conquistas e suas histórias como revendedoras, destacando como a Fábrica de Calcinhas mudou suas vidas. O zelo e o cuidado de toda a equipe com as clientes, desde o momento da concepção das peça e escolha de materiais, com a escuta ativa de cada feedback, até o atendimento personalizado e acompanhamento das revendedoras, com a compreensão e cuidado em todas as partes que envolvem o processo da compra e revenda. Com essa toda essa entrega, a marca criou uma conexão genuína com seu público, que tem confiança no caminho empreendedor proposto pela empresa, que oferece bem mais do que produtos, e sim uma rede de apoio e fomento ao empreendedorismo feminino. ‘’Estamos aqui para despertar a paixão e ajudar as mulheres a crescerem e terem sua independência financeira”, finalizou Angélica.

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